sexta-feira, 11 de julho de 2008

NOVO FÔLEGO

Aquela dor parecia não ter fim. Marisa estava em trabalho de parto, naquele hospital sujo e frio há mais de cinco horas. Olhou a própria barriga e sentiu um turbilhão de emoções. Fora uma gravidez difícil.Perguntava-se o que o destino reservava a esse bebê; se seria o mesmo dela e dos outros seis filhos. Sentiu uma lágrima percorrer seu rosto suado ao pensar em mais uma criança sua passando fome; os erros do passado a lhe acusar, a sociedade a lhe amedrontar. Silenciosamente, pediu desculpas ao bebê.
As contrações aumentavam a cada instante, se aproximava o momento do nascimento. Naquele frenesi severino, ela empurrou e respirou repetidamente: seqüência que já sabia de cor. Obedeceu ao médico apressado, ambos ansiosos pelo fim daquilo tudo. Com toda a força de cada sentimento seu, empurrou para fora a vida que
carregava.
Veio, então, o alívio. O doutor, mudando o semblante, sorriu, como quem tem suas energias recarregadas. "É uma menina", ecoou sua voz pela cabeça delirante de Marisa. Dos braços da enfermeira, ela pegou Marissol no colo, e a fitou demoradamente... O choro, o barulho da sala e das outras mulheres em trabalho de parto foram ficando longe. As preocupações também. Olhou sua menininha - tão linda! -, e, naquele instante, era tudo que podia ver.
Esqueceu-se, por um momento, que não tinha para onde levar Marissol, senão para o canto embaixo da ponte em que vivia com parte da família. Esqueceu-se da comida que faltava, das injustiças que sofrera, do seu passado, de sua terra saudosa, da dor que até a pouco sentia. Via nos olhos daquela criança a chance de uma vida melhor, de um mundo melhor.
Pensou que, quem sabe, dessa vez, as coisas poderiam dar certo. Mal podia esperar para mostrar o seu bebê ao marido. Tão pequena, tão frágil. "Bem vinda ao mundo", sussurrou, meio para a recém-nascida, meio para si mesma.

(Originalmente postado em 12/mar/07)

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