sexta-feira, 11 de julho de 2008

O MÃO-DE-VACA E AS PERDIDAS

Eu não ia a um teatro há anos quando meu namorado sugeriu assistirmos ao "Avarento", adaptação de Felipe Hirsch da obra de Molière, com Paulo Autran. Gostei da idéia. Senti saudades de ver atores ao vivo, das luzes de palco, de cadeiras de madeira, da atmosfera teatral. Além disso, nunca tinha visto Autran em cena, estava curiosa.

Combinamos um dia, me arrumei toda. Ele veio me buscar de camisa, todo chique. Ao cinema, vamos até de moletom, mas o clima, dessa vez, era outro. Íamos a um espetáculo. O tipo de coisa que deixa meus avós orgulhosos.

Chegamos ao Teatro Cultura Artística depois de andar para cima e para baixo na Rua da Consolação por uns quinze minutos, tentando achar a ruazinha que dava acesso à Nestor Pestana.

Apesar da nossa antecedência de uma hora, os ingressos estavam esgotados. Percebi que fui ingênua ao pensar que, por ficar em cartaz durante vários meses, as entradas para a peça não seriam tão disputadas, mesmo sendo um sábado à noite.

Um tanto frustrados, decidimos, então, dar uma chance a Maitê Proença, que apresentava a primeira obra teatral de sua autoria, "Achadas e Perdidas", com a (engraçadíssima) colega Clarisse Derzié Luz na sala ao lado. Quando a atriz, que eu tanto vi na tevê, entrou no palco e começou a falar, algo aconteceu comigo. Meu namorado se deslumbrou com sua beleza e eu, com sua presença.

Gosto muito de filmes. No cinema, observo a vida dos personagens, sua intimidade exposta. Analiso seus atos e decisões, formo opiniões. Mas eles não me vêem. No teatro, foi diferente. A personagem, encarnada na atriz, soube da minha existência. Respiramos o mesmo ar, nenhuma tela nos separava. Não pude fugir dos questionamentos que me propôs quando, eventualmente, me olhou nos olhos. A relação entre ator e espectador não foi virtual. A diferença era quase aquela entre a palavra e o toque.

Maitê e Luz exploraram (brilhantemente, ao meu ver) temas desde os assuntos recorrentes nas rodas femininas, como amor, ditadura da beleza e a mania por futebol dos homens, até questões mais profundas, por assim dizer, como a síndrome do pânico e a morte. Tudo com muita criatividade, para burlar as limitações dos cenários simples.

Apesar de haver um telão no palco, mostrando algumas esquetes filmadas (ótima saída para ganhar tempo para trocar de figurino entre uma história e outra), durante as partes ao vivo, ninguém escolheu meu ponto de vista, nenhuma câmera me dizia a qual detalhe eu deveria voltar minha atenção. Apesar de meu olhar enferrujado encontrar dificuldade nisso, foi uma experiência muito gostosa. Saí diferente de lá.

Voltamos os dois, algumas semanas depois, com alguns amigos e assistimos Autran interpretando o mão-de-vaca Harpagon no clássico francês, sua 90ª montagem. Ele realmente é um grande ator. Apesar de eu não ter grandes surpresas com o roteiro (seria difícil, se tratando de um clássico escrito há mais de quatro séculos), o veterano e seus colegas me provocaram boas risadas.

A peça, o cenário, a maquiagem, as roupas, tudo estava fascinante. Trouxeram-me à memória os tempos de aula de teatro na escola (fui Isabel na adaptação da ópera "O Guarani", de Carlos Gomes), sensação boa.

Ainda assim, apesar da pompa em torno da peça, "Avarento" não me marcou tanto quanto Proença e suas crônicas de palco. Aquela foi minha volta ao teatro. Foi bom voltar a me sentir culturalmente ativa.

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