sexta-feira, 11 de julho de 2008

THE SHOW MUST GO ON

- Ouça o que eu te digo.
- Não faz assim...
- Cala a boca, que você está me irritando. Pode chorar, eu não me importo, mas pára de ser ridículo e me deixa falar.
O choro engasgado do rapaz, ajoelhado aos pés da cama, fazia saltar seu peito de quando em quando. A moça continuou.
- Olha nos meus olhos... Não vai demorar muito, nós todos sabemos. Quando eu não estiver mais por aqui, não vai ter ninguém pra passar a mão na sua cabeça. Preste atenção no que eu estou te dizendo. Você chore. Chore muito. Passe dias sem comer nem dormir direito, revire minhas coisas, conte minhas história, ouça meus CDs, leia meus textos.
- Ah, querida.... - disse, baixando os olhos úmidos.
- Depois disso, de um tempo razoável de luto, seja homem e se levante. Vá reconstruir a vida. Livre-se de mim. Viaje, faça novas amizades, conheça uma nova moça, case-se novamente.
- Eu não quero mais ninguém! - protestou.
- É bom ouvir isso. Mas quando eu estiver morta...
Um soluço ecoou no quarto iluminado.
- ...quando eu estiver morta, - continuou - não serei mais sua esposa. E não quero um viúvo inútil e moribundo. Jamais me use como desculpa para se entregar sem luta à dureza da vida e as tristezas do caminho. Você também há de morrer um dia, é uma questão de timming. Pela minha memória, reerga sua vida após o fim da minha. Seja brilhante. Seja agradecido a Deus por todos os momentos alegres que vivemos juntos, por todas as lições que aprendemos. Sonde seu coração e veja se há algo para perdoar ou pedir perdão, e o faça. Se eu for antes, faça-o também. E tenha filhos.
- Querida.... - disse o moço, passando a mão carinhosamente pelos cabelos e depois pela face da mulher amada. O semblante sério dela foi afrouxando num sorriso triste.
- Me desculpe a secura, meu bem. É que de repente percebi como a gente se deixar emaranhar pelo choro e pela angústia nessas horas, e pra isso você terá tempo de sobra. Eu preciso aproveitar meus momentos de calma para resolver tudo o que eu puder para poder ir em paz. Não que qualquer uma dessas coisas vá fazer qualquer diferença para mim propriamente depois da morte. Aí já estarei nas mãos de Deus e nada do que tive ou fiz por aqui terá efeito algum. Mas faço isso por que te amo e quero fazer o melhor por você agora.
- Você é uma ridícula, sabia?? - disse, rindo um pouco e engasgando com o choro. Recuperando o tom melancólico da conversa, ele continuou:
- Como vai me deixar aqui? Sem forças, sem rumo?
- Me desculpe por levar comigo um pedaço do seu coração...
- Saiba que fui feliz em cada dia ao seu lado. Inclusive nos em que brigamos pela sua roupa, pelo controle remoto, por causa da sua mãe. Eu te amo e sempre fui feliz. O mundo sem você era mais simples, mais calmo e mais sem graça. Até te odiar, como durante as discussões, é melhor que viver em paz sem você.
- Pois eu fui uma das mulheres mais sortudas do mundo por ter te encontrado e ainda conseguir ganhar o seu amor... meus dias foram curtos, percebemos agora, mas foram bem vividos.
- Eu não vou conseguir viver sem você...
- Eu também não.. literalmente. Hahahaha - riu ela, descontraindo novamente.
- Sua boba, respondeu rindo também.
- Eu te amo, guri.
- Eu amo você, linda. Vou deixar você descansar um pouco agora..
- Não... fica aqui.
- Mas o médico falou que..
- Deixa de ser ridículo. E eu quero saber dos dois, três dias a mais que vou ganhar se não deixar ninguém me perturbar por mais de 15 minutos? Vou estar morta em pouco tempo, quero mais é aproveitar cada fôlego com as pessoas que eu amo por perto... Deita aqui... isso.

(originalmente postado em 02/mar/06)

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